13 de Setembro, 2022 Artigos

Desvendando Mitos Parte 3 - Estudos Sérios - Estudos Questionáveis e Energia Solar

Na era digital em que vivemos, a internet e as redes sociais se tornaram ótimas ferramentas de disseminação de informações. Contudo, na mesma proporção em que a internet se torna uma ótima ferramenta de educação, ela também pode ser utilizada como uma ferramenta de desinformação. No contexto do mercado de energia solar fotovoltaica, quem nunca se deparou com um conteúdo, supostamente técnico, fazendo afirmações e apresentando conclusões sem qualquer embasamento técnico ou científico? Ou pior, citando referências bibliográficas escritas em inglês, mas em português faz afirmações que não existem no documento original?


Inevitavelmente, em cada segmento de mercado, existem mitos que podem prejudicar quem trabalha honestamente e muitas vezes nos surpreender. Esses mitos podem surgir de várias formas, como por exemplo: ignorância acerca do assunto, por má fé, campanhas de difamação, mau uso do produto, má prestação do serviço, conclusões baseadas em fontes de informações não confiáveis ou duvidosas, generalização de casos, dentre outros. Então, separar a verdade dos mitos é um dos desafios que todo profissional deve esperar enfrentar.


Já desvendamos o mito de que mais componentes reduzem a confiabilidade de um sistema fotovoltaico e que microinversores ou otimizadores falham por serem instalados em locais quentes, como um telhado. O assunto da vez agora são os supostos estudos comparativos, análises técnicas, relatórios de pesquisa, estudos de caso, dentre outros, que muito bem escritos ou formatados, levam o leitor a dar credibilidade e relevância antes mesmo de analisar e compreender seu conteúdo.


Este artigo é o terceiro de uma série na qual separamos alguns mitos sobre eletrônica de potência à nível de módulo (do inglês: Module-Level Power Electronics - MLPE). Quer saber como distinguir uma desinformação de um conteúdo com credibilidade? Então vamos lá!


Introdução

Existem quatro tipos de conhecimento: o senso comum, o filosófico, o religioso e o científico. No senso comum as certezas são intuitivas, não existe um critério, método ou sistemática de aprendizado, o conhecimento não é planejado. O conhecimento comum pode conter compreensões errôneas, acarretadas por conclusões induzidas pela repetição frequente de um dado [1].


Por outro lado, o conhecimento científico permite o entendimento das coisas, demonstrando como elas ocorrem e os motivos para que ocorram dessa forma. Quando você obtém uma constância nos resultados, permitindo a generalização ou a certeza de que o resultado obtido é suficiente para ser considerado como verdadeiro. Aí sim teremos o conhecimento científico produzido. O resultado produzido como conhecimento científico deve ser passível de verificação e nesse sentido levar a uma conclusão segura [1].


E como é feita essa verificação? Em uma publicação acadêmica são os revisores desempenham esse papel fundamental. O sistema de revisão por pares, ou seja, uma revisão feita por especialistas voluntários da mesma área de conhecimento, existe para validar o trabalho acadêmico e ajuda a melhorar a qualidade da pesquisa publicada. A revisão por pares ainda é o único método amplamente aceito para validação de pesquisa [2].


Vamos a outro exemplo: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), do Ministério da Educação, possui um sistema chamado Qualis. O Qualis é um sistema usado para classificar a produção científica dos programas de pós-graduação no que se refere aos artigos publicados em periódicos científicos. Ele afere a qualidade dos artigos e de outros tipos de produção, a partir da análise de qualidade dos periódicos científicos.


Na prática, o Qualis da CAPES classifica os periódicos (publicações eletrônicas com pesquisas científicas) da seguinte forma:


  • A1 e A2: contempla periódicos de excelência internacional;

  • B1 e B2: contempla os periódicos de excelência nacional;

  • B3, B4 e B5: contempla os periódicos de média relevância;

  • C: contempla periódicos de baixa relevância, ou seja, considerados não científicos e inacessíveis para avaliação.


Por exemplo, a Revista Brasileira de Energia Solar (ISSN: 2178-9606), que é uma publicação oficial da Associação Brasileira de Energia Solar (ABENS), possui classificação Qualis B5. Por outro lado, o Renewable Energy (ISSN 0960-1481), que é uma publicação internacional da Elsevier, possui classificação Qualis A1. O sonho de um pesquisador que trabalha com energias renováveis é publicar um artigo em um periódico Qualis A1. Este feito significaria que os resultados de sua pesquisa atingiram o mais alto nível de competência, significância e originalidade.


Isto não quer dizer que apenas trabalhos publicados em periódicos Qualis A1 são relevantes, mas dá uma ideia de classificação de importância de publicações técnica/científicas. Além disso, depois de toda essa explicação, você pode entender o quão é importante saber se um determinado material de pesquisa passou por uma revisão por pares, e consequentemente, se foi publicado em algum congresso, conferência, simpósio, periódico, jornal acadêmico, etc.


Estudos Sérios e Estudos Questionáveis

Vamos direto ao ponto. Escolhemos dois “estudos” que chegaram ao mercado brasileiro e que podem-se dizer; merecedores de questionamentos. O primeiro “estudo” [3] foi elaborado por um professor de uma universidade da Dinamarca, onde os objetos de comparação foram dois sistemas compostos por otimizadores e um sistema composto por um inversor tradicional de string. O segundo “estudo” [4] foi elaborado por um engenheiro de uma consultoria do Reino Unido, onde os objetos de comparação foram dois fabricantes de microinversores e um fabricante de otimizadores. Vamos comentar um de cada vez:


Estudo da Dinamarca

Mesmo tendo sido escrito por um professor de uma universidade, este “estudo” não foi submetido à uma revisão por pares e também não foi publicado em nenhum tipo de congresso ou similar. Na conclusão deste estudo é possível encontrar afirmações como: “existem muito poucos cenários em que o uso de otimizadores melhora o desempenho do sistema”, “os otimizadores não levam a um ganho significativo na produção de energia”, “conectores adicionais podem causar incêndios”, “sem sombreamento e em céu nublado o sistema com inversor de string produziu mais energia”, etc.


Obviamente este “estudo” foi questionado oficialmente por um dos fabricantes (SolarEdge) e gerou um alvoroço na mídia especializada. A alegação de que os sistemas FV normalmente têm uma produção maior se nenhum otimizador de potência for utilizado é, no mínimo, questionável.


Em sua resposta, a SolarEdge apontou os seguintes aspectos e fatos sobre o estudo:


  • O autor do estudo trabalhou anteriormente na Danfoss solar, divisão de inversores, que foi adquirida pela SMA, que é o fabricante do inversor de string objeto do estudo;

  • O autor do estudo se recusou a compartilhar os dados brutos do estudo e admitiu que: “Neste caso não é o valor agregado para sistemas FV otimizados a nível de módulo, porque a sombra não está afetando os 3 sistemas igualmente. Basicamente, os módulos com otimizadores são afetados primeiramente pelo sombreamento e, portanto, têm menor rendimento comparado ao outro sistema otimizador e com o sistema sem otimizadores”.

  • Duração insuficiente do teste;

  • Exclusão de dados cruciais: dados após as 5:22 da tarde foram excluídos;

  • Supressão de dados: o relatório seleciona dias específicos, que deturpam as conclusões;

  • Quantidade testada inadequada: apenas 14 módulos foram testados por sistema em cada cenário e os mesmos módulos foram utilizados em todos os cenários. Esta amostra não tem significância estatística suficiente para extrapolar conclusões significativas;

  • Os cenários utilizados no estudo não são fiéis à vida real ou são irreais: por exemplo, o cenário com módulos em múltiplas orientações foi simulado cobrindo apenas um módulo em uma string com um lençol fino de algodão. Isto não criaria uma curva de irradiância diferente durante o dia como um módulo orientado diferente criaria no mundo real. Um segundo exemplo é a colocação de um grande poste diretamente na frente dos módulos fotovoltaicos para causar sombreamento. Isto simplesmente testa o diodo de bypass e não o mismatch a nível de módulo;

  • O relatório assume que o inversor string é a referência e é sempre listado como 100%;

  • O relatório apresenta resultados com uma resolução mais alta do que o erro de medição;

  • A variação de potência normal dos fornecedores de qualidade é de -0%/+3%. Isto é mais alto do que a maior parte da diferença do resultado da produção fornecida pelo estudo;

  • Nenhuma informação é fornecida sobre o fabricante, modelo e potência nominal dos módulos FV;

  • Nenhuma informação é fornecida sobre as diferenças de potência dos módulos FV no sistema teste e como elas foram distribuídas;

  • Os módulos FV têm variações de potência de +/-3%, sendo que um fornecedor de qualidade estabelece 0/+3%. Isto porque a precisão é limitada pela precisão do equipamento de flash test, que é de 3%. Contudo, a margem de erro de 3% é maior do que os resultados do aumento da produção fornecidos pelo estudo;

  • Seleção tendenciosa: os dados relatados foram escolhidos nos dias com o pior rendimento;

  • O gráfico mostra claramente que a potência CC nos inversores não é a mesma, com o inversor string tradicional tendo mais potência CC. Isto poderia ser porque mais capacidade FV foi instalada no inversor string ou devido a tolerância do módulo FV;

  • Apenas 14 módulos foram testados por sistema em cada cenário. Esta amostra não tem significância estatística suficiente para extrapolar todo o mercado;

  • Um módulo com desvio de 5%, poderia explicar qualquer resultado positivo para o inversor string;

  • Um diodo de bypass em curto (não muito improvável) resultaria em uma perda de energia de 2%;

  • Mais subsistemas são necessários para identificar desvios significativos;

  • Os mesmos módulos foram usados em todos os cenários. Se os módulos ou strings fossem trocados entre os diferentes inversores, então as variações de potência da string seriam niveladas, ex. um mês no sistema A, um mês no sistema B.

  • Ao conduzir a mesma string com as diferentes topologias de sistema por um período suficiente, as variações de potência e desvios poderiam ter sido identificados;

  • A realização de um flash-test teria sido capaz de identificar os desvios e, portanto, nivelar as topologias para comparação;

  • A solução para simular a orientação diferente do módulo não é uma prática comum e não simula resultados do mundo real. Para testar cenários de orientações diferentes, os módulos deveriam ser instalados em uma orientação diferente uma vez que os níveis de irradiação mudam durante o dia e não são constantes;

  • Os números individuais são selecionados a dedo e os números médios nunca são apresentados como resultado;


Depois de todas essas constatações apontadas pela SolarEdge, que até o presente não tiveram réplica por parte do autor do estudo, é de se compreender o motivo pelo qual este estudo não chegou a passar por uma revisão por pares ou ser publicado em algum periódico.


Estudo do Reino Unido

Este “estudo” também não foi submetido à uma revisão por pares e também não foi publicado em nenhum tipo de congresso ou similar. O estudo foi conduzido por uma empresa de consultoria, mas não traz a informação de qual empresa contratou esta consultoria. Adicionalmente, causa estranheza o fato de que o “estudo” não possui uma única referência bibliográfica. Observou-se também que houve um cuidado ao selecionar especificamente 3 fabricantes: APsystems, SolarEdge e Enphase. Embora o “estudo” afirmar que foi dado um foco particular no mercado brasileiro, é questionável a inclusão de um fabricante que ainda não possui relevância no país. Assim como é questionável uma consultoria do Reino Unido apresentar informações sobre um mercado no qual ela não atua.


A APsystems é líder em quantidade de instalações da categoria MLPE, líder na categoria de microinversores no Brasil e líder global em microinversores fotovoltaicos multimódulos, contribui para este fato seu longo histórico no país. A gigante SolarEdge, inventora dos otimizadores de potência desembarcou no Brasil no final de 2017 e segue líder no quesito otimizadores de potência por aqui e no mundo. Contudo, apesar de existirem outros fabricantes de microinversores muito mais consolidados do que a Enphase no mercado brasileiro, este “estudo” optou por ignora-los e inserir especificamente a Enphase, que novamente surge no mercado brasileiro. Da mesma forma optou-se por não adicionar qualquer outro fabricante de otimizadores. Qual teria sido o critério adotado para a exclusão de fabricantes? Desconhecimento sobre o mercado brasileiro? Não sabemos. Porém, é notório desde o primeiro parágrafo do “estudo” que a APsystems é seu alvo.


Pois bem, vamos pontuar alguns questionamentos do ponto de vista da metodologia científica, da mesma forma que um revisor faria ao apreciar um artigo para publicação.


  1. Item 5.1.3 e Item 5.1.4


Este item faz uma comparação entre as eficiências de conversão de alguns dispositivos fotovoltaicos. Inclusive comparando otimizadores, que fazem apenas uma conversão (CC-CC), com microinversores, que fazem duas conversões (CC-CC e CC-CA) no mesmo dispositivo. Não é surpresa alguma que uma unidade de otimizador tenha uma eficiência de conversão maior que uma unidade de microinversor, não é mesmo? Por outro lado, existe um provérbio que diz: o diabo mora nos detalhes.


O DS3-L não é vendido no Brasil. É um microinversor para 2 módulos, possuindo 2 canais de entrada, ou seja, um módulo por entrada. Possui corrente máxima de entrada e tensão máxima de entrada de 18 A e 60 Vcc por canal, respectivamente. Potência aparente nominal de 768 VA e tensão nominal de saída de 240 Vca. Diferentemente do que foi informado, a eficiência do DS3-L não é 96,13% e sim 96,5%.


O QS1A-BR não é vendido no Reino Unido. É um microinversor para 4 módulos, possuindo 4 canais de entrada, ou seja, um módulo por entrada. Possui corrente máxima de entrada e tensão máxima de entrada de 16 A e 60 Vcc por canal, respectivamente. Potência ativa nominal de 1500 W e tensão nominal de saída de 220 Vca. Diferentemente do que foi informado, a eficiência do QS1A-BR não é 96,09% e sim 96,5%.


Os otimizadores P500 e P370 da SolarEdge foram feitos para 1 único módulo por otimizador. Além de ignorar o requisito da existência de um inversor para fazer a conversão CC-CA e sua respectiva eficiência de conversão, não existem inversores da SolarEdge que funcionam com apenas 1 único otimizador. No Brasil o menor sistema da SolarEdge requer um inversor SE3680H e a quantidade mínima de 8 otimizadores, conforme folha de dados técnicos.


Portanto, a afirmação de que um otimizador de 99,5% de eficiência é quase 7 vezes mais eficiente do que um microinversor de 96,09% (número errado por sinal), não faz o menor sentido prático.


Continuando com os demais produtos, se alguém descobrir que dispositivo seria o MERC 450 da Huawei, deixa nos comentários.


Existem vários modelos de otimizadores da Tigo, porém, o autor não pareceu se importar muito com isso. Seria um modelo para 2 módulos ou 1 módulo? Qual seria a potência? Qual seria a tensão e a corrente? Apenas para monitoramento? Apenas rapid-shutdown? De onde veio o valor de eficiência de 99,5%?


O IQ 7+ é um microinversor para apenas 1 módulo, possuindo apenas 1 canal de entrada, ou seja, um módulo por entrada. Possui corrente e tensão máxima de entrada de 15 A e 60 Vcc, respectivamente. Potência aparente nominal de 290 VA, tensão nominal de saída de 220 Vca e eficiência de 97%.


A diferença de potência e eficiência do APsystems QS1A-BR para o Enphase IQ 7+ está no fato de que o primeiro possui 4 canais de entrada com MPPT’s individuais, ou seja, existem 4 conversores dentro de 1 único equipamento com potência de 1500W. O segundo possui apenas 1 canal de entrada, ou seja, existe apenas 1 conversor dentro de 1 único equipamento com potência de 290 W. Uma tentativa de comparação justa seria analisar o desempenho de 1 micro QS1A com 4 módulos fornecendo uma potência máxima de saída de 1500W e comparar com o desempenho de 4 micros IQ 7+, consequentemente 4 módulos também, porém a potência máxima de saída obtida seria de 1.160 W. Confira a segunda parte deste artigo pelo link: https://bit.ly/segundapartedoartigodeestudos

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