Em um artigo anterior falamos sobre os vários tipos de perdas por mismatch em sistemas fotovoltaicos. Atualmente no mercado brasileiro, por se tratar de um mercado ainda jovem, é bastante comum encontrarmos profissionais que desconhecem outras fontes de mismatch além do sombreamento parcial causado por objetos estáticos, como edifícios, chaminés, árvores, etc. Quem nunca presenciou um colega afirmar que em determinado telhado ou local de instalação não tem sombreamento? No entanto, na prática, algumas perdas por mismatch ocorrem sempre [1]. Por exemplo, os geradores fotovoltaicos podem ser expostos a perdas de energia por mismatch ao operar em condições não homogêneas, como o sombreamento parcial devido a nuvens em movimento [2].
Neste artigo apresentaremos o que a literatura especializada nos informa a respeito das perdas por mismatch causadas pela sombra das nuvens em movimento, assim como alguns sistemas com monitoramento individual dos módulos mostrando esse efeito e algumas das tecnologias que podem reduzir ou eliminar as perdas por mismatch.
Nos últimos anos, o sombreamento parcial e seus efeitos na operação de sistemas fotovoltaicos foram estudados em vários trabalhos [3]-[13]. Em muitos desses trabalhos, o foco estava na modelagem dos sistemas fotovoltaicos sob condições estáticas de sombreamento parcial. Entretanto, alguns trabalhos [14]-[15] apresentavam estudos sobre os efeitos das condições de sombreamento parcial causadas por nuvens em movimento. Nestes trabalhos, considerando-se inversores de string ou centrais, verificou-se condições operacionais que determinavam as configurações mais eficientes de um sistema gerador fotovoltaico e que as sombras que se movem paralelamente às strings de um arranjo têm um efeito mais prejudicial na operação do gerador do que as sombras que se movem perpendicularmente às strings.
As perdas por mismatch em um sistema fotovoltaico com inversores de string ou centrais são maiores quando a direção do movimento de uma sombra é paralela às strings de um arranjo. A principal razão para isso acontecer é que ocorrem vários pontos de máxima potência. Portanto, alguns módulos fotovoltaicos não contribuem para a energia gerada do gerador ou funcionam longe do seu próprio ponto de máxima potência [1].
Nestes sistemas, além da direção do movimento das sombras, as perdas por mismatch também foram consideradas muito sensíveis ao tamanho do arranjo. Assim, para minimizar as perdas por mismatch, o tamanho do arranjo e a direção dominante do movimento das nuvens na área de um sistema FV devem ser levados em consideração no projeto [1].
Existem também estudos que abordam o fenômeno da sobreirradiância (cloud enhancement). Este fenômeno faz com que a irradiância horizontal global exceda os valores de irradiância de um céu limpo. As usinas fotovoltaicas residenciais e comerciais, normalmente construídas com inversores de string, são afetadas pela maioria dos eventos de sobreirradiância. Isto ocorre porque algumas partes do gerador fotovoltaico não são cobertas pela área de sobreirradiância e as perdas por mismatch limitarão a potência máxima abaixo do valor correspondente à irradiância “aumentada”. Usinas fotovoltaicas de grande escala também podem ser afetadas pelos eventos extremos da sobreirradiância, mas apenas ocasionalmente [16].
Momento cultural: No Atlas Brasileiro de Energia Solar 2ª Edição, o qual é produzido pelo INPE, na sua página 17 consta o seguinte: "Em pesquisas realizadas no território brasileiro foram observados valores de irradiância de global horizontal de até 1822 W/m2 (Rüther et al., 2017)".
As variações de irradiância causadas pelas nuvens em movimento podem ter efeitos negativos consideráveis na operação de sistemas fotovoltaicos [17]. Elas podem levar a falhas no rastreamento do ponto de máxima potência, causando perdas extras e perdas por mismatch devido ao sombreamento parcial [18]. Além disso, podem causar flutuações significativas na potência de saída dos sistemas fotovoltaicos. As mudanças na produção de energia devido às nuvens foram notadas como grandes e rápidas [19].
Um dos estudos demonstrou que as conexões longas de módulos fotovoltaicos em série têm consideravelmente mais perdas por mismatch do que as conexões paralelas sob condições com sombreamento parcial causado por nuvens. Perdas em conexões em série podem ser de até 4% [19]. As nuvens causaram perdas por mismatch também nas conexões paralelas das strings do módulo PV, mas não tanto quanto nas conexões em série. Portanto, os resultados mostraram que as perdas por mismatch devido ao sombreamento parcial causado pelas nuvens aumentam com o aumento do comprimento das conexões em série. Para minimizar essas perdas por mismatch, o comprimento das strings deve ser o mais curto possível [19].
Para quem gosta de números, um destes estudos [2] demonstrou que quando uma sombra se move paralelamente às strings de um arranjo fotovoltaico, todas as configurações estudadas apresentaram perdas por mismatch iguais da ordem de 20% durante o período de transição das nuvens. Também foi demonstrado que quando uma sombra se move diagonalmente às strings de um arranjo fotovoltaico, toda configuração apresenta perdas únicas por mismatch na faixa de 10 a 20%.
Lembrando que todos os estudos e as afirmações vistas até o momento são para os casos onde foram instalados sistemas tradicionais de string ou centrais.
As perdas por mismatch causadas pelo sombreamento parcial das nuvens em movimento nada mais é do que mais uma fonte de perdas por mismatch em sistemas fotovoltaicos. No artigo anterior (leia aqui) vimos 10 fontes de mismatch e o sombreamento provocado pelas nuvens estava na lista. Também vimos que dentre as tecnologias que podem reduzir ou eliminar as perdas por mismatch estão os microinversores e os otimizadores de potência.
Então qual seria a novidade apresentada neste artigo? Além de mostrar uma vasta literatura a respeito do tema, inclusive com alguns estudos quantificando estes efeitos, teremos a oportunidade de ver esse efeito na prática.
Este vídeo abaixo mostra o comportamento de dois sistemas fotovoltaicos sendo afetados predominantemente pelo efeito das nuvens em movimento.
Utilizando a eletrônica de potência a nível de módulo (MLPE) e um bom sistema de monitoramento é possível fazer uma análise do mismatch entre os módulos ou pares de módulos, como mostra a Figura 2:
Neste exemplo podemos ver uma grande e rápida variação nos valores de potencias dos pares de módulos em virtude, principalmente, do movimento das nuvens. Somente com a categoria MLPE é possível fazer este tipo de análise e calcular o quanto de perdas por mismatch foi recuperada.
A não ser que tenham sido incorporados algum tipo de produto da categoria MLPE nos módulos, a resposta é um categórico não. Como já vimos em outros artigos, cada módulo fotovoltaico possui seu próprio ponto de máxima potência (Fig. 3). Esses pontos de máxima potência variam ao longo do tempo, constantemente.
Em sistemas tradicionais de string, os módulos fotovoltaicos são conectados em série e em paralelo para atender aos requisitos de tensão e corrente CC de entrada do inversor. No entanto, a energia CC total em um arranjo geralmente é menor que a soma da potência nominal individual de cada módulo [20]. No exemplo da Figura 3 vemos, em um determinado instante, que a potência máxima do sistema deveria ser 987 W, porém o inversor de string extrairá somente 242 W de cada módulo, resultando em uma potência de saída de 968 W. Isso representa uma perda de 19 W naquele instante. Quanto mais módulos e à medida que o tempo passa, maiores são as perdas.
Isto acontece porque a física nos diz que a corrente em um circuito em série deve ser igual para todos os módulos. Um inversor de string enxerga vários módulos em série como se fossem um único módulo. Por exemplo, 4 módulos de 72 células ligados em um único MPPT são vistos pelo inversor de string como um único módulo de 288 células. Portanto, o MPPT neste caso tentará encontrar o ponto de máxima potência do arranjo, ignorando a produção individual de cada módulo.
Alguns fabricantes de inversores de string estão divulgando melhorias em seus algoritmos de MPPT como se elas resolvessem os problemas de sombreamentos parciais e obtivessem resultados semelhantes aos da categoria MLPE. Contudo, o objetivo dessas melhorias é evitar um problema que supostamente nunca deveria existir: o algoritmo ficar preso em máximos locais.
O problema de se ficar preso em máximos locais é obvio: a potência máxima que pode ser extraída do arranjo está no máximo global, e não no máximo local. Este é um problema de controle, que deve ser solucionado pelos fabricantes. Portanto, o resultado dessas melhorias no MPPT não traz resultados semelhantes aos da categoria MLPE, por tratarem de problemas distintos e porque o inversor de string não consegue atuar à nível de módulos. Para eliminar ou reduzir perdas por mismatch, como o sombreamento parcial, existem tecnologias como microinversores e otimizadores de potência [21]. Podemos falar especificamente sobre como funcionam e onde se diferenciam os algoritmos de MPPT em microinversores, otimizadores, inversores de string e centrais em um próximo artigo.
O mismatch sempre irá ocorrer em qualquer sistema fotovoltaico. Portanto, não é correto afirmar que não existe sombreamento em determinados sistemas fotovoltaicos, visto que sempre existirá o sombreamento provocado pelas nuvens em movimento, além de outras fontes inevitáveis de mismatch.
As variações de irradiância causadas pelas nuvens em movimento podem levar a falhas no rastreamento do ponto de máxima potência, causando perdas extras. Além disso, as mudanças na produção de energia devido às nuvens são grandes e rápidas. Para tanto, o algoritmo de MPPT deve ser rápido o suficiente para acompanhar a dinâmica do sistema, porém não deve ficar preso em máximos locais por não varrer a curva P-V por completo.
Conexões longas de módulos fotovoltaicos em série apresentam consideravelmente mais perdas por mismatch do que as conexões paralelas sob condições com sombreamento parcial causado por nuvens.
Por fim, no Brasil já existem tecnologias que podem reduzir ou eliminar as perdas por mismatch em sistemas fotovoltaicos, com isso aumentar a eficiência e a confiabilidade dos sistemas fotovoltaicos em condições de mismatch, como os microinversores e os otimizadores de potência.
Por: João Paulo de Souza
Responsável técnico da Ecori Energia Solar, especialista em sistemas fotovoltaicos com tecnologia MLPE. Possui certificação para responsável de empresa de projeto e instalação de módulos fotovoltaicos pelo Instituto Totum. Mestre em Engenharia Eletrônica e Computação pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA, graduação em Engenharia Elétrica Industrial e curso técnico-profissionalizante em Eletrotécnica Industrial pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA. Membro do Comitê Técnico Brasileiro de Sistemas de Conversão Fotovoltaicas de Energia Solar ABNT/CB-003. Foi engenheiro de sistemas aeroespaciais na Binacional Alcântara Cyclone Space (ACS). Foi pesquisador colaborador no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE). Trabalhou na montagem do Laboratório de Identificação, Navegação, Controle e Simulação (LINCS) no IAE.
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