28 de Janeiro, 2019 Artigos

Módulos Fotovoltaicos - Perdas por Mismatch em Sistemas Fotovoltaicos

Por João Paulo de Souza


O que é o mismatch? Quando e por qual razão ele ocorre?

Uma das principais fontes de perdas em um sistema fotovoltaico é o mismatch (também chamado de incompatibilidade ou descasamento) entre as quantidades de energia geradas por dois ou mais módulos dentro de um arranjo fotovoltaico [1]. A Figura 1 representa a operação do MPPT em sistemas tradicionais. Os módulos fotovoltaicos de 250Wp conectados em série não podem operar em seu ponto de máxima potência individual porque a corrente é forçada a ser igual em todos os módulos da string.



 Figura 1 – Sistema fotovoltaico tradicional com módulos de 250Wp em série.


Ao invés do sistema disponibilizar 987W de potência, ele irá disponibilizar 968W, como se todos os 4 módulos estivessem operando em 242W, pois é neste ponto que o MPPT de um inversor tradicional irá operar. Desta forma, um sistema que deveria estar produzindo 987W – não 1000W – passa a produzir 968W, ou seja, a perda está sendo de 19W. Lembrando que até aqui estamos falando apenas de potência (W), pois devemos considerar a perda de energia (kWh) que será cumulativa ao longo do tempo.

Segue uma lista com alguns exemplos de fontes de mismatch:

1. Sujeira

Em campo, cada módulo tem sua própria eficiência de produção de energia. Este desempenho varia e depende de vários fatores. Dentre eles, a sujeira provocada por folhas e fezes de animais fará com que o mismatch (diferença da produção de energia) entre os módulos aumente todos os anos - resultando em perda de energia do sistema.


Figura 2 – Sujeira acumulada em módulos fotovoltaicos.


Por isso, limpezas periódicas devem ser programadas em função da sujeira acumulada nos módulos.


2. Poeira

Embora aparentemente se trate do mesmo caso da sujeira, diversos trabalhos diferenciam poeira de sujeira como fontes de mismatch e este artigo não fará diferente. A poeira pode inclusive afetar de maneira diferente as tecnologias de módulo FV utilizadas no projeto.

Nos módulos de silício cristalino, o sombreamento vertical é menos prejudicial. Já nas tecnologias de filme fino ocorre o oposto. Portanto, a quantidade de particulados presentes no ambiente e o regime dos ventos predominantes na localidade, somados à disposição dos módulos (paisagem ou retrato) no arranjo certamente provocarão uma diferença de produção de energia entre os módulos.

3. Degradação desigual dos módulos

Os módulos não funcionam no seu ponto de potência máxima durante toda a vida útil do sistema. O desempenho do módulo poderá degradar até 20% ao longo de 20 anos. Contudo, cada módulo tem uma degradação diferente, mesmo que tenham sido produzidos na mesma fábrica, o que acarreta em mismatch por envelhecimento. Segundo Skoczek et. al [2], um módulo depreciou 13% enquanto um outro depreciou apenas 2%, mas o módulo que depreciou 13% nivela por baixo a potência da string causando perda de energia, conforme mostra a Figura 3 abaixo.



 Figura 3 – Percentual de perda de energia por mismatch de degradação de módulos.


Além disso, quando um módulo com defeito é substituído por um módulo novo, mesmo que de mesma potência STC, a incompatibilidade é inevitável quando conectado aos demais módulos. Isto porque o módulo novo não sofreu os efeitos da degradação, enquanto os módulos mais antigos sim.

4. Tolerância de fabricação (Potência STC)

A tolerância de potência de saída garantida pelos fabricantes de módulos pode variar muito. Uma variação padrão de 3% é suficiente para resultar em aproximadamente 2% de perda de energia.

 5. Danos de transporte

Além disso, a probabilidade de surgirem microfissuras ou outros danos durante os processos de transporte e armazenagem podem contribuir ainda mais para a variação de potência de saída garantida pelos fabricantes.



Figura 4 – Tombamento de carreta que transportava módulos fotovoltaicos.


6. Projeto

O mismatch de projeto é um dos maiores problemas enfrentados pelos projetistas. É com o objetivo de se evitar ao máximo todas as fontes de mismatch de projeto que os projetistas de sistemas fotovoltaicos com inversores centrais ou de string devem atender à uma série de requisitos como: 

  •   Usarem o mesmo tipo de módulo e mesma potência STC;
  •          Todas as strings conectadas no mesmo MPPT precisam ter o mesmo comprimento;
  •          Os módulos precisam estar posicionados na mesma orientação e inclinação;
  •          Evitar pontos da instalação com sombreamento parcial, dentre outros.


7. Temperatura

O mismatch térmico neste caso não deve ser confundido com as perdas por temperatura. A diferença de temperatura entre os módulos pode criar um mismatch de módulos e causar grandes perdas de energia. No exemplo da Figura 5 abaixo, a temperatura diminui de y = 0 m para y = 7,8 m (superior direito) em cerca de 13°C, devido transferência de calor por convecção [3]. Mesmo um ligeiro gradiente de temperatura dentro de cada módulo é visível, o que é cerca de 3 - 5°C.


Figura 5 – Imagem infravermelho aérea de um sistema fotovoltaico.


Supondo um coeficiente de temperatura relacionado à potência de 0.43 %/°C, as perdas por mismatch térmico representam 5,59%.




8. Vegetação

O crescimento de árvores ou vegetação em locais onde existe um sistema fotovoltaico pode fazer com que sejam feitas podas ou capinas periódicas, pois a vegetação pode provocar sombreamento em pontos da instalação. A Figura 6b pode servir como um exemplo disso.

9. Sombreamento parcial

Este talvez seja o tipo de fonte de mismatch mais conhecido e difundido no mercado brasileiro. Além dos exemplos da Figura 6, temos também o exemplo da Figura 7.

Figura 6 – Exemplos de sombreamento parcial de módulos fotovoltaicos.


É um tipo de mismatch tão corriqueiro que muitas vezes os instaladores e usuários acreditam ser a única fonte de incompatibilidade possível, o que não é verdade.


10. Nuvens

Os efeitos da cobertura de céu afetam diretamente nos valores das irradiações global, difusa e direta infravermelha e do espectro total. Além das nuvens, a nebulosidade e as precipitações afetam diretamente na produção individual dos módulos, pois esse efeito não é uniforme sobre o arranjo. Embora a dinâmica do MPPT seja da ordem de milissegundos, a dinâmica das nuvens de segundos ou minutos, ou seja, muito mais lenta. Portanto, a não ser que os céus de sua cidade estejam protegidos por alguma magia que impeça a formação de nuvens, certamente haverá aquela nuvenzinha negra para provocar perdas por mismatch.

Resumo da Ópera

Isto significa que, mesmo que um sistema não apresente um sombreamento provocado por obstáculos presentes no telhado ou por outras edificações vizinhas, nenhum sistema estará imune às outras fontes de mismatch. A Figura 7 apresenta um sistema susceptível a pelo menos 9 fontes de mismatch. Você conseguiria enumerar quais são?


Figura 7 – Exemplo de um sistema fotovoltaico com variadas fontes de mismatch.


É possível reduzir ou eliminar as perdas por mismatch?

As perdas de potência associadas ao efeito do mismatch representam aproximadamente 10% da potência total gerada. Essas perdas estão na faixa de perdas de potência associadas ao efeito do mismatch publicado em estudos anteriores [4]. Existem tecnologias promissoras que podem aumentar a eficiência e a confiabilidade dos sistemas fotovoltaicos em condições de incompatibilidade, como o diodo de bypass ativo, microinversores e otimizadores de potência [1].

Módulos fotovoltaicos são conectados em série e paralelo a fim de atender às exigências relativas à tensão CC e corrente de entrada do inversor. No entanto, em sistemas tradicionais, a potência total CC em tal arranjo é inferior à soma das potências nominais individuais de cada módulo. As principais razões são incompatibilidade estática, estresse ambiental e sombreamento [5].

O primeiro aspecto está relacionado às tolerâncias de fabricação e envelhecimento dos módulos conectados no arranjo. O segundo aspecto refere-se ao efeito de defeitos no módulo devido às condições climáticas [6], [7].

Incompatibilidades dinâmicas ocorrem quando os módulos operam longe de seu ponto de máxima potência. Os módulos fotovoltaicos conectados em paralelo ou em série não podem operar em seu ponto de máxima potência individual porque a tensão (em caso de conexão paralela) ou corrente (no caso de conexão em série) são forçadas a serem iguais em todos os módulos da string [8].

Os arranjos fotovoltaicos são suscetíveis a grandes perdas de energia, devido ao sombreamento parcial. O sombreamento parcial é causado por barreiras de luz como árvores, chaminés, obstruções no telhado, linhas de energia, detritos, poeira e excrementos de pássaros. Além disso, o mismatch também pode ocorrer se os módulos fotovoltaicos estiverem instalados em orientação ou inclinação diferentes. Quando se tratam de strings conectadas em série, a maior corrente do arranjo é igual à corrente do módulo com o menor desempenho e isso reduz significativamente a eficiência do módulo [1].

Quando parte do módulo é sombreado, as células sombreadas produzirão menos corrente que as células não sombreadas. Como todas as células estão conectadas em série, a mesma quantidade de corrente deve fluir por todas as células. As células não sombreadas irão forçar a célula sombreada a conduzir mais corrente do que a sua nova corrente de curto-circuito. A célula sombreada irá operar na região de polarização reversa para corresponder a essa condição e causar uma perda de energia no sistema. O produto da corrente e da tensão negativa fornece a energia dissipada pelas células sombreadas. Essa potência é dissipada em forma de calor e, portanto, causará hot-spots (pontos quentes). A probabilidade de que algumas células no módulo ou alguns módulos na string sejam capazes de fornecer correntes consideravelmente diferentes em condições operacionais é muito alta e não pode ser ignorada. Isso pode causar um efeito de incompatibilidade significativo. Além disso, a potência e a eficiência da string serão reduzidas [1]. Por isso é importante estudar o efeito do mismatch em aplicações fotovoltaicas.


Um sistema fotovoltaico não é formado apenas por módulos ou apenas por inversores. Vamos ver o que ocorre e o que pode ser feito à nível de sistema?

O sistema fotovoltaico pode ser conectado à rede através de quatro diferentes topologias de inversores CC/CA: inversor central, inversor de string, microinversor e inversores simplificados com otimizadores de potência.

Os inversores centrais são caracterizados por alta eficiência e menores custos específicos. No entanto, o rendimento energético do sistema fotovoltaico diminui devido às condições de mismatch (incompatibilidade) e de sombreamento parcial do módulo [9]. Além disso, a confiabilidade é limitada, pois todo o sistema depende de um único condicionador de potência.

Figura 7 – Inversor Central de 1000 kW da WSTECH.


No inversor de string, assim como nos inversores centrais, o módulo fotovoltaico é dividido em strings. Cada string opera em seu MPP (ponto de máxima potência) individual e, portanto, as incompatibilidades são reduzidas parcialmente [1].


Figura 8 – Inversor de string da GoodWe.


O terceiro tipo, possui sistema de rastreamento MPP individual para cada módulo e muitas vantagens adicionais para o estado da arte do sistema [1].


Figura 9 – Microinversor de 1200 W da APsystems.



Os otimizadores de potência, com o rastreamento do ponto de máxima potência distribuído (DMPPT), também são usados para obter o máximo possível de potência na saída do sistema fotovoltaico [1].


Figura 10 – Inversor simplificado com otimizador de potência da SolarEdge.



Então quais são as diferentes tecnologias para reduzir ou eliminar as perdas por mismatch?

Os diodos de bypass ativos são extremamente finos e podem ser integrados nos laminados fotovoltaicos. A ideia de substituição dos diodos de bypass convencionais usando MOSFETs como elementos de bypass é apresentada em [10]. A baixa potência será dissipada quando a queda de tensão for baixa (na faixa de mV). O diodo de bypass ativo pode ter funcionalidades adicionais, como monitoramento ou curto-circuito ativo do módulo para segurança.

Atualmente não estão disponíveis produtos comerciais com diodos de bypass ativo integrados às células fotovoltaicas. No entanto, a STMicroelectronics experimentou diodos de bypass ativo no módulo por algum tempo (Figura 11).


Figura 11 – Diodo de bypass ativo montado diretamente no módulo, eliminando a necessidade de caixa de junção.


O desempenho dos otimizadores será semelhante ao dos microinversores, já que cada módulo pode operar em seu MPP. Se muito sombreamento é esperado, o otimizador será benéfico, pois as perdas de sombreamento podem ser reduzidas e as perdas por incompatibilidade são eliminadas [10].

Em agosto de 2018, nós postamos um vídeo sobre esse assunto, o qual disponibilizamos abaixo





Como o tema microinversores e otimizadores foge do escopo desse artigo, não vamos estragar as surpresas que virão nos próximos artigos, não é mesmo? Então vamos direto à conclusão.


Conclusão

O mismatch de módulos fotovoltaicos sempre existirá, não importa o que você faça, pois ele é uma característica intrínseca do sistema fotovoltaico. Quando falamos em minimizar ou eliminar as perdas, lembre-se do exemplo da Figura 1.

Portanto, as diferentes tecnologias para reduzir as perdas por sombreamento parcial e eliminar as perdas por mismatch de módulos fotovoltaicos são:

   1. Microinversores
   2. Otimizadores de potência
   3. Diodo de bypass ativo

Dentre estas três tecnologias as duas primeiras podem ser encontradas facilmente no mercado brasileiro.


Referências

[1]    B. Koirala, B. Sahan, N. Henze, “Study on MPP Mismatch Losses in Photovoltaic Applications”. 24th European Photovoltaic Solar Energy Conference, Hamburgo, 2009. pp. 3727 - 3733.
[2]    A. Skoczek et. al., “The results of performance measurements of field-aged c-Si photovoltaic modules”, Prog. Photovolt: Res. Appl. 2009; 17:227–240.
[3]    C. Buerhop et al., ZAE Bayern, “The role of infrared emissivity of glass on IR-imaging of PV-plants”, 26th EUPVSEC, 5-9/9/11, Germany.
[4]    A. Chouder, S. Silvestre, “Analysis Model of Mismatch Power Losses in PV Systems”. Journal of Solar Energy Engineering, 2009.
[5]    N. Henze, B. Sahan, R. Burger, W. Belschner, “A Novel AC Module with High-Voltage Panels in CIS Technology”, 23rd European PV Solar Energy Conference and Exhibition, Valencia, Spain, September 2008.
[6]    N. D. Kaushika, A. K. Rai, “An investigation of Mismatch losses in solar photovoltaic cell networks”, Energy 32 (2007) 755-759.
[7]    N. Femia, G. Lisi, G. Petrone, G. Spagnolo and M. Vitelli, “Distributed Maximum Power Point Tracking of Photovoltaic   Arrays: Novel Approach and System Analysis”, IEEE Transactions on Industrial Electronics, Vol. 55, No. 7, July 2008.
[8]    H. Oldenkamp, I. Jong, N. Borg, B. Boer, H. Moor, W. Sinke, “PV-wirefree versus conventional PV-systems: detailed analysis of difference in energy yield between series and parallel connected PV-Modules”, www.pv-wirefree.com.
[9]    W. Xiao, N. Ozog, W. G. Dunford, “Topology Study of Photovoltaic Interface for Maximum Power Point Tracking”, IEEE Transactions on Industrial Electronics, Vol. 54, No. 3, pp. 1696-1704, June 2007.
[10]  Sönke  Rogalla,  Bruno  Burger,  “Module  Integrated Electronics”,  OTTI Seminar  on  Power  Electronics for Photovoltaics, Munich, May 2009.

  Por: João Paulo de Souza

Responsável técnico da Ecori Energia Solar, especialista em sistemas fotovoltaicos com tecnologia MLPE. Possui mestrado em Engenharia Eletrônica e Computação pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA, graduação em Engenharia Elétrica Industrial e curso técnico-profissionalizante em Eletrotécnica Industrial pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA. Membro do Comitê Técnico Brasileiro de Sistemas de Conversão Fotovoltaicas de Energia Solar ABNT/CB-003. Engenheiro de sistemas aeroespaciais na Binacional Alcântara Cyclone Space (ACS). Foi pesquisador colaborador no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE). Trabalhou na montagem do Laboratório de Identificação, Navegação, Controle e Simulação (LINCS) no IAE.



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