03 de Dezembro, 2018 Artigos

Módulos Fotovoltaicos – Monocristalino ou Policristalino – Qual a melhor dessas duas tecnologias para o Brasil?

Sabemos que existem várias tecnologias fotovoltaicas comercialmente disponíveis. Dentre elas, podemos citar as tecnologias de silício cristalino fotovoltaico; onde se enquadram o silício monocristalino e o silício policristalino.

Momento cultural: prefixos de caráter quantitativo, como multi e pluri são de origem latina e poli de origem grega. Portanto, em alguns textos você pode se deparar com o termo multicristalino, o que também está correto.

Existem várias tecnologias fotovoltaicas comercialmente disponíveis. Temos as tecnologias de filme fino, onde se enquadram o Silício Amorfo; Silício Microcristalino; Seleneto de cobre, índio e gálio (CIGS), e; o Telureto de cádmio (CdTe). Temos também as tecnologias de células solares sensibilizadas por corantes e outras tecnologias que são comercializadas ou estão em desenvolvimento.

 

Mas se existem várias tecnologias comercialmente disponíveis, porque falar somente dos módulos fotovoltaicos monocristalino e policristalino?

Isto porque em 2009, a tecnologia dominante em módulos e células fotovoltaicas baseadas em silício mono e policristalino já representavam aproximadamente 80% do mercado global [1]. Diante desse cenário, coube aos fabricantes e distribuidores de módulos fotovoltaicos decidirem quais opções de tecnologia fotovoltaica oferecer para o mercado brasileiro. Atualmente, no mercado brasileiro, existem diversas opções de módulos fotovoltaicos, com diversos fabricantes e diferentes tecnologias, assim como uma ampla faixa de potências nominais.

 

Mas quais foram os critérios de escolha para se trazer esses módulos? Baseado em quais requisitos?

Existem várias condições ambientais que afetam a saída de um sistema de energia fotovoltaica. Esses fatores ambientais devem ser levados em consideração para que o cliente tenha expectativas realistas da saída do sistema [2].

Abaixo, temos duas folhas de dados: à esquerda a folha de dados para um conjunto de módulos policristalinos e à direita a folha de dados para um conjunto de módulos monocristalinos. Todos de um mesmo fabricante e quantidade de células por módulo.



Figura 1 – Dados de módulos monocristalino e policristalino em condições de teste padrão (STC). Imagens extraídas de Canadian Solar - Datasheet CS6K-P e Datasheet CS6K-P.

 

Os módulos foram classificados de acordo com a sua potência nominal máxima. Sob condições de teste padrão (STC), que consideram uma irradiância de 1000 W/m², massa absoluta do ar de 1.5 e temperatura da célula à 25°C. Observem que os parâmetros elétricos, em ambos os módulos, sob condições de teste padrão, variam muito pouco entre si. Além disso, as eficiências dos módulos de mesma potência são iguais. Contudo, basta sair das condições de teste padrão para que esses parâmetros se alterem de modo significativo. Podemos constatar esse fato observando o mesmo datasheet, através dos dados obtidos em condições de temperatura nominal de operação do módulo (NMOT).

Figura 2 – Dados de módulos monocristalino e policristalino em condições de temperatura nominal de operação do módulo (NMOT). Imagens extraídas de Canadian Solar - Datasheet CS6K-P e Datasheet CS6K-P.

 

Observem, que a potência nominal máxima foi reduzida. Os módulos de 290 Wp policristalino passam a ter uma potência nominal máxima de 214W e os módulos monocristalino de 290Wp passam a ter uma potência nominal máxima de 213W. Esses parâmetros foram levantados nas condições de temperatura nominal de operação dos módulos (NMOT), ou seja, irradiância de 800 W/m², massa absoluta do ar de 1.5, temperatura ambiente de 20°C e velocidade do ar de 1 m/s.

Observem também que ambos os módulos foram caracterizados com base em 3 coeficientes de temperatura. O primeiro relacionado diretamente com a potência máxima do módulo, o segundo com a tensão de circuito aberto e o terceiro com a corrente de curto circuito. A temperatura de operação nominal dos módulos é de 43 ± 2°C.

Portanto, a partir da própria folha de dados dos módulos, fica claro que a temperatura é um parâmetro que tem grande influência no comportamento de um sistema fotovoltaico, uma vez que ela modifica a eficiência do sistema e a energia de saída. Além disso, os parâmetros atmosféricos, tais como nível de irradiância, temperatura ambiente, velocidade do vento, sujeira, poeira e as condições particulares da instalação também têm influência [2].

 

Vamos verificar como se avalia a eficiência do módulo em função da temperatura?

A Equação 1 apresenta a corrente de curto circuito instantânea em função da temperatura atual do módulo.

 

            (1)

 

Onde o alfa, é o coeficiente de temperatura da corrente de curto-circuito, já visto anteriormente; o S é a radiação incidente em W/m²; o   é a corrente de curto-circuito da célula nas condições de teste padrão; e, o delta T é a temperatura de operação do módulo.

A análise da eficiência do módulo é realizada através do Fator de Forma [3]. Onde, o fator de forma é diretamente proporcional ao Ponto de máxima tensão () e Ponto de máxima corrente ( ) e inversamente proporcional à Tensão de circuito aberto () e à Corrente de curto-circuito ().

 

                                    (2)

Para o cálculo da eficiência, utilizamos a Equação 3.

                        (3)

 

Já sabemos que, com a variação da temperatura, a corrente de curto circuito pouco se altera, porém, a tensão de operação das células sofre uma grande variação. Isto pôde ser visto diretamente através dos valores dos coeficientes de temperatura relacionados à esses parâmetros. Quando a temperatura aumenta, mantendo-se a irradiação constante, tem-se uma pequena elevação dos valores de  e de  , porém os valores de   e  decaem significativamente, o que resulta em uma redução em cerca de 0,5%/°C a eficiência do módulo.

Os módulos fotovoltaicos absorvem até 80% da irradiação. Contudo, apenas 5 a 20 por cento é convertido em eletricidade, dependendo da tecnologia de célula fotovoltaica utilizada. O restante dessa energia é convertida em calor. Devido a este efeito, em dias ensolarados, os módulos fotovoltaicos podem atingir temperaturas de até 35 graus acima da temperatura ambiente [4]. Em condições climáticas quentes, como no Arizona, as temperaturas do módulo podem atingir de 85 graus a 95 graus Celsius dependendo das condições de montagem e operação. Nos piores cenários, alguns dos componentes podem atingir temperaturas tão altas que podem comprometer os requisitos de segurança e funcionalidade do módulo e de seus componentes [5].

Os efeitos de temperatura são resultado de uma característica natural dos módulos baseados em células de silício cristalino. Eles tendem a produzir maior tensão à medida que a temperatura cai e tendem a diminuir a tensão em altas temperaturas.

Qualquer sistema ou módulo fotovoltaico deve incluir o cálculo de ajuste devido ao efeito da temperatura [6].

Portanto, uma das características que devem ser levadas em consideração na hora de atender aos requisitos de um projeto é que as informações técnicas são fornecidas para condições de teste padrão, as quais podem nunca ocorrer na prática.

Segundo, é que o conhecimento confiável do desempenho dos sistemas fotovoltaicos sob as condições reais em que eles irão operar é essencial para a correta seleção do produto [7].

 

O que a física nos diz?

Pois bem, já vimos o que acontece em campo e a explicação dessas ocorrências térmicas com base em modelos matemáticos. Mas o modelo matemático foi baseado em que? Vamos ver o que a física nos diz a respeito desse fenômeno. Sabemos desde a física do ensino médio que, quando a temperatura aumenta, há mais vibrações na rede interna do material. Nesse caso, na rede cristalina do silício.

Alguns elétrons perdem sua energia por meio de interações com essas vibrações, em vez de contribuírem para a corrente elétrica. Esse fenômeno aumenta à medida que a temperatura aumenta, devido ao aumento das vibrações. Então, quantificamos esse fenômeno usando o coeficiente de temperatura, que nos diz quanta potência é perdida para cada aumento de um grau Celsius.

Então... um dos parâmetros mais importantes do material, em relação a esse fenômeno, é a ordem dos átomos na rede cristalina. Os materiais monocristalinos são assim caracterizados por terem uma perfeita ordem recorrente e, portanto, têm as maiores vibrações e maior sensibilidade à temperatura. Já os materiais policristalinos têm apenas ordens recorrentes curtas, portanto, têm uma sensibilidade moderada à temperatura.

 


Figura 3 – Célula de sílicio monocristalino (à esquerda) e célula de silício policristalino (à direita).

 

Vemos aqui alguns exemplos de redes policristalinas, onde ficam evidenciadas as tais ordens recorrentes.


Figura 4 – Exemplos de redes policristalinas e sua ordem recorrente curta.

Observem que existem pequenas ordens recorrentes de redes cristalinas. Cada grão de cristal é limitado por fronteiras. As fronteiras entre os grãos evidencia o ângulo de desalinhamento de cada rede cristalina. É possível observar também que cada grão de cristal tem apenas uma ordem recorrente. Se fosse um material monocristalino, não existiriam desalinhamentos na rede cristalina e veríamos apenas uma única ordem recorrente.

Ultimamente, muitos módulos monocristalinos estão apresentando em seus datasheets, baixos coeficientes de temperatura na faixa de -0,4%/ºC. Contudo, é preciso ficar alerta, pois a física nos diz que quanto mais os átomos do material são colocados em ordem estrita, mais a temperatura o afeta.

 

Vamos voltar a falar novamente dos coeficientes de temperatura.

A média dos coeficientes de temperatura em módulos de silício monocristalino é de cerca de -0,446 por cento por grau Celsius e a média dos coeficientes de temperatura em módulos de silício policristalino é de cerca de -0,387 por cento por grau Celsius [8]. O efeito dessas diferenças é muito importante em países quentes, como o Brasil. Pois como já falamos, uma célula fotovoltaica sob o sol, estará bem mais quente do que a temperatura ambiente. E para que a sua temperatura esteja na faixa dos 25 graus Celsius, que é a temperatura nas condições de teste padrão, é necessário que a temperatura ambiente esteja em quase zero graus Celsius.

Como interpretar os coeficientes de temperatura?

Dada toda essa explicação, vamos interpretar o que ocorre com os parâmetros elétricos do módulo de silício policristalino da folha de dados mostrada anteriormente. Conforme a Figura 2, nas condições de teste padrão temos uma Potência Máxima de 290 W, uma Tensão de Circuito aberto de 38,5 V e uma Corrente de curto-circuito de 9,72 A. Os coeficientes de temperatura do módulo são:

Figura 5 – Coeficientes de temperatura do módulo policristalino da Figura 2.

O coeficiente de temperatura relacionado à potência máxima do módulo é igual a -0,39 %/ºC. Isto significa que, para cada grau Celsius que a temperatura do módulo estiver acima de 25°C, a potência máxima do módulo cairá 0,39%. O coeficiente de temperatura relacionado à tensão de circuito aberto, é igual a -0,29 %/ºC, ou seja, para cada grau acima dos 25°C, a tensão de circuito aberto cairá 0,29%. Por fim, o coeficiente de temperatura relacionado à corrente de curto-circuito é igual a -0,05 %/ºC por cento por grau Celsius, então, a corrente de curto circuito aumentará em 0,05% para cada grau acima dos 25°C.

Vamos exercitar um pouco mais as consequências do que vimos até aqui?

Agora vamos supor a compra de dois módulos semelhantes de 100Wp. Um deles será de silício monocristalino e o outro será de silício policristalino. Vamos considerar o coeficiente de temperatura do módulo monocristalino igual a -0,5 %/ºC; e o coeficiente de temperatura do módulo policristalino igual a -0,4 %/ºC.

Em laboratório, quando a temperatura das células forem de 25 graus, ambos produzirão 100W. Entretanto, em campo, no meio do verão, a temperatura da célula atingirá por volta de 65 graus. Então, o módulo de silício monocristalino produzirá 80 W.

 

 

E o módulo de silício policristalino produzirá 84 W.

 

 

Isto dará uma diferença de 4% em relação à potência em condições de teste padrão.

Em abril de 2018, nós postamos um vídeo sobre esse assunto, o qual disponibilizamos abaixo.

 


 

No final de setembro de 2018 um estudo realizado pelo renomado Fraunhofer Center for Silicon Photovoltaics mostrou que a degradação induzida por temperaturas elevadas leva à uma perda de potência de até 6% para módulos PERC de silício monocristalino e essa perda para módulos PERC de silício policristalino são menores que 2% [9]. Esse resultado mantém a diferença de perda de potência em torno de 4%, o que nos deixa realizados e com a sensação de missão cumprida na nossa missão de divulgar conhecimento no setor fotovoltaico.

Portanto, com base nas verificações práticas do fenômenos aqui apresentados, modelo matemático e na física envolvida; Podemos chegar às seguintes conclusões a respeito do tema abordado:

 

  1. Os módulos fotovoltaicos policristalinos são menos sensíveis à temperatura do que os módulos monocristalinos.
  2. Em países quentes, como o Brasil, aconselha-se o uso de módulos fotovoltaicos menos sensíveis à temperatura. Portanto, entre um módulo mono e um poli, o mais indicado seria um policristalino.
  3. Se você comprar um módulo mono de 340W, no verão ele produzirá quase como um módulo poli de 325W.

 

Referências

[1] Intergovernmental Panel on Climate Change, “Renewable Energy Sources and Climate Change Mitigation – Special Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change”, Cambridge University Press, 2012.

[2] Meral, M. E., Dinçer, F., “A Review of the Factors Affecting Operation and Efficiency of Photovoltaic based Electricity Generation Systems”. Yuzuncu Yil University, Turkey, 2011.

[3] Silva, G. J. ; Silva, W. W. A. G. ; Reis, G. L. ; Rodrigues, W. A., “Avaliação da Influência da Temperatura na Eficiência de Painéis Fotovoltaicos”. In: VI Congresso Brasileiro de Energia Solar, 2016.

[4] Van Helden W. G. J., van Zolingen R.  J.  Ch, Zondag H.  A., “PV Thermal Systems:  PV Panels Supplying Renewable Electricity and Heat”, Progress in Photovoltaics: Research and Applications, 2004.

[5] Oh, J., Samy, G., Mani, T., “Temperature Testing and Analysis of PV Modules Per ANSI/UL 1703 and IEC 61730 Standards”, Conference Record of the IEEE Photovoltaic Specialists Conference, Program - 35th IEEE Photovoltaic Specialists Conference, 2010.

[6] Krauter S., “Increased Electrical Yield via Water Fow over the Front of Photovoltaic Panels”, Solar Energy Materials and Solar Cells, 2004.

[7] Li D. H. W., Cheung G. H. W., Lam J.C., “Analysis of the operational performance and Efficiency characteristic for photovoltaic system in Hong Kong”. Energy Conversion and Management, Vol. 46, No. 7-8, 05.2005, p. 1107-1118.

[8] Dash P. K., Gupta N. C., Effect of Temperature on Power Output from Different Commercially available Photovoltaic Modules”, Journal of Engineering Research and Applications, ISSN: 2248-9622, Vol. 5, Issue 1 (Part 1), January 2015, pp.148-151.

[9] R. Gottschalg, M. Pander, M. Turek, J. Bauer, T. Luka, C. Hagendorf, M. Ebert, “Benchmarking Light and Elevated Temperature Induced Degradation (LETID)”, 35th EU PVSEC 2018, 24 - 28 September 2018, Brussels.


  Por: João Paulo de Souza

Responsável técnico da Ecori Energia Solar, especialista em sistemas fotovoltaicos com tecnologia MLPE. Possui mestrado em Engenharia Eletrônica e Computação pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA, graduação em Engenharia Elétrica Industrial e curso técnico-profissionalizante em Eletrotécnica Industrial pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA. Membro do Comitê Técnico Brasileiro de Sistemas de Conversão Fotovoltaicas de Energia Solar ABNT/CB-003. Engenheiro de sistemas aeroespaciais na Binacional Alcântara Cyclone Space (ACS). Foi pesquisador colaborador no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE). Trabalhou na montagem do Laboratório de Identificação, Navegação, Controle e Simulação (LINCS) no IAE.

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