Existem vários modos de falha que podem ser observados em módulos de silício cristalino. Podemos citar alguns, como: interconexões quebradas, células quebradas ou rachadas, corrosão de células, metais e conectores, delaminação, descoloração do encapsulante, vidro quebrado, pontos quentes (hot-spots), falha na caixa de junção e na conexão do módulo, falhas de diodo de bypass, degradação induzida pelo potencial (PID), dentre outros.
Neste
artigo, vamos falar especificamente da degradação induzida pelo potencial; também
conhecida como efeito PID. A degradação do módulo provocada pelo efeito PID é
diferente da degradação natural que os módulos fotovoltaicos sofrem ao
longo dos anos quando em funcionamento. Vamos falar sobre como o efeito PID pode
surgir, quais as suas consequências e como revertê-las, como detectá-lo e, por
fim, como evitá-lo.
Como foi descoberto o efeito PID?
Em 2005 o National Renewable Energy Laboratory – NREL publicou um artigo sobre um Teste de Estresse de Alta Tensão (do inglês: High Voltage Stress Test - HVST). O objetivo desse teste era polarizar os módulos fotovoltaicos sob alta tensão, para caracterizar suas correntes de fuga e avaliar suas mudanças de desempenho [1]. Fatores ambientais, como umidade e temperatura influenciam as correntes de fuga entre a terra e a célula [1]. A degradação de um módulo fotovoltaico em função da sua posição em uma string foi relatada pela primeira vez também em 2005, em módulos de silício do tipo n de alta eficiência polarizados positivamente [2]. Somente em 2010, um efeito semelhante foi descoberto para módulos de silício do tipo p polarizados negativamente, ele foi batizado pela primeira vez de degradação induzida pelo potencial (do inglês: Potential Induced Degradation - PID) [3]. A Figura 1 a seguir, apresenta imagens de uma câmera de eletroluminescência (EL), a qual é utilizada usada para caracterizar o estado das células.
Figura 1 – Imagem EL de um módulo antes
(superior) e depois (inferior) do teste de PID 1000 Volts/100 horas - a perda
de energia foi de 32%. Fonte: [3].
A
Figura 1 mostra uma imagem de um módulo antes e depois do teste de PID, no qual
foi aplicada uma tensão de 1000 volts durante um período de 100 horas. É
possível notar que as células individuais não são afetadas de maneira uniforme,
sendo que algumas células se degradam fortemente e parecem estar em
curto-circuito, resultando em uma perda de energia do módulo de 32% [3].
Em
2011 o National Renewable Energy Laboratory – NREL publica novamente um artigo
sobre o estresse exercido pela polarização dos módulos. Desta vez, descrevendo
métodos de teste apropriados e níveis de estresse para demonstrar a
durabilidade de módulos submetidos à degradação induzida pelo potencial de
tensão do sistema. O mais importante neste estudo é que foram observadas precipitações
ricas em sódio (Na) na superfície da célula após estressar o módulo, com o
objetivo de polarizá-lo negativamente para induzir o efeito PID em calor úmido [4].
Então o que causa o efeito PID?
O efeito PID é caracterizado inicialmente pela transferência de íons de sódio do vidro frontal do módulo para a camada antirreflexiva das células, devido à diferença de potencial entre os módulos localizados na extremidade de potencial negativo (vide Figura 2) da série fotovoltaica [5]. Consequentemente, o efeito fotovoltaico é dificultado e/ou interrompido pela presença de portadores de carga elétrica, principalmente pelos íons de sódio do vidro que se deslocam para a célula. Essas cargas elétricas afetam significativamente o desempenho da célula fotovoltaica. Então, o resultado é que esta célula irá gerar menos eletricidade quando afetada pelo efeito PID.
Portanto,
o efeito PID é um tipo de degradação do módulo FV que é provocado pela tensão induzida
pelo sistema fotovoltaico, a qual força os íons de sódio a se difundirem do
vidro, através do encapsulante de EVA em direção à célula FV.
Então,
tipicamente a degradação induzida pelo potencial ocorre apenas em módulos
polarizados e a taxa de degradação aumenta com o aumento da tensão [6]. A alta
temperatura do módulo também é um fator que favorece a degradação induzida pelo
potencial [7].
A Tabela 1 apresenta os fatores que influenciam no surgimento do efeito PID para diferentes níveis do sistema FV:
Tabela 1 - Fatores que influenciam no surgimento do efeito PID. Fonte: [5]
Célula |
Camada
antirreflexiva |
Profundidade
do emissor |
|
Tipo
de dopagem |
|
Módulo |
Material
encapsulante |
Aspectos
construtivos (vidro, moldura, isolação, etc.) |
|
Sistema |
Tensão
de operação |
Umidade
Relativa |
|
Temperatura
|
|
Aterramento
do sistema |
Muitos
tipos de materiais encapsulantes foram considerados para uso em módulos FV. Nas
décadas de 1960 e 1970, os encapsulantes dominantes eram baseados em polidimetilsiloxano
(PDMS). Sua escolha se deve à sua excepcional estabilidade contra a
decomposição térmica e sua resistência à degradação causada pela radiação
ultravioleta. No entanto, para reduzir os materiais do módulo e os custos de
fabricação, materiais alternativos foram investigados e desenvolvidos, levando
ao surgimento do etileno acetato de vinila (EVA) como encapsulante FV
dominante. Novamente houve um interesse no uso de materiais encapsulantes
alternativos, com alguns fabricantes mudando do EVA para alternativas baseadas
em elastômero de poliolefina (POE). As razões para essa mudança incluíam
preocupações com o efeito PID [8].
Uma
das formas mais comuns do efeito PID é uma diminuição na resistência shunt (vide
Figura 3) de células de silício do tipo n. Este efeito pode ser menos intenso com
o uso de encapsulantes com resistividade maior que 1016 ohm·cm [9, 10].
A temperatura e a umidade relativa da superfície do módulo FV também tem grande influência no aparecimento do efeito PID. Quanto maior for a umidade maior será a chance de surgimento de PID [5].
O
efeito PID não é um problema apenas para módulos de silício cristalino. Muitos
módulos de filme fino possuem um revestimento de óxido condutor transparente
(TCO). A camada de TCO atua como contato elétrico frontal da célula fotovoltaica.
Nos
sistemas fotovoltaicos que possuem um inversor sem transformador, ou
seja, sem isolação galvânica entre as partes CC e CA, basta que exista uma
diferença de potencial de 500 Vcc ou mais entre os módulos FV e o aterramento
para que a degradação induzida pelo potencial (PID) dos módulos FV possa
ocorrer. Os íons de sódio com carga positiva podem então viajar para o TCO
devido a essa diferença de potencial. Isso leva à corrosão e, consequentemente,
à perda de desempenho do módulo. Portanto, para sistemas contendo módulos de
película fina, o inversor deve ter um transformador [11].
O
efeito PID não se restringe apenas a tecnologias baseadas em silício, mas pode
ser observado em quase todas as tecnologias de módulos fotovoltaicos. Para a tecnologia
CIGS (cobre, índio, gálio e selênio) esta degradação é relacionada à quantidade
de sódio no substrato de vidro [12].
O
efeito PID é um modo de falha recente que até este ano não era abordado na
sequência de teste de qualificação da IEC 61215 [13]. No entanto, no
Fórum Internacional de Garantia de Qualidade do Módulo PV em 2011, o efeito PID
foi listado como uma das áreas de preocupação [6].
Quais são os efeitos da degradação induzida pelo potencial?
Na prática o que acontece com a célula FV é que ocorre uma redução na resistência paralela, também chamada de resistência shunt, causada pelo efeito PID, alterando a forma da curva I-V, consequentemente alterando o ponto de máxima potência das células e sua tensão de circuito aberto [14], conforme pode ser observado na Figura 3 a seguir:
Figura 3 – Curva I-V característica de
células individuais que estão degradadas em diferentes níveis, mostrando a
evolução do efeito PID. Adaptado de [14].
Uma
diminuição inexplicável da produção de energia de um sistema FV pode ser um
sinal do efeito PID. Contudo, o efeito PID pode facilmente ser confundido com
outros problemas e até mesmo com a degradação natural dos módulos.
Como identificar que um módulo está sob o efeito PID?
É
possível identificar o problema usando três fatores: redução da produção de
energia, perdas de potência e tensão e imagem infravermelha [15].
Como
a medição da resistência paralela, ponto de máxima potência e imagem
infravermelha requer equipamentos caros, a maneira mais fácil de detectar o
efeito PID em campo é usar um voltímetro comum para medir a Voc do módulo. Embora
a forma da curva mostrada na Figura 3 não possa ser inferida apenas pela
medição da Voc, a extensão do efeito PID pode ser revelada plotando as medições
da Voc do módulo em função de sua posição na string ou comparando as medições da
Voc dos módulos da extremidade oposta do arranjo.
O
efeito PID pode ser irreversível ou reversível, dependendo da causa. O PID
irreversível é normalmente causado por reações eletroquímicas que levam à
eletrocorrosão e/ou delaminação nos módulos.
Existem alternativas para eliminar ou reduzir o efeito PID?
Geralmente,
um sistema FV com inversor de string funciona com diferença de potenciais elevadas.
Nesses sistemas, os módulos trabalham em tensões elevadas por um longo tempo e
existe uma fuga de corrente entre o material encapsulante, o vidro e a moldura,
o que reduz bastante o desempenho dos módulos.
Esta
degradação induzida pelo potencial (PID) e a uma forma de revertê-la parcialmente
têm sido objeto de interesse nos últimos anos devido à rapidez e gravidade desse
efeito em alguns casos. Existem fabricantes de módulos que rotulam seus
produtos como “resistentes a PID” ou “livres de PID”, mas não fica claro quais
testes foram realizados que levaram estes módulos a receberem tal rótulo [16].
O
que existe atualmente são procedimentos de teste padrão definidos na
especificação técnica IEC TS 62804-1:2015 [17], os quais foram incluídos em fevereiro
deste ano na IEC 61215-2:2021
[13]. O requisito é que a máxima degradação de potência seja menor que 5 %. No
entanto, no próprio escopo da IEC TS 62804-1:2015 [17] é afirmado que dois
métodos de teste são definidos e administrados como testes de triagem, mas
nenhum dos testes inclui todos os fatores existentes no ambiente natural que
podem afetar a taxa de PID.
Particularmente,
o teste de PID da IEC TS 62804-1:2015 não fornece uma correlação entre o teste
acelerado da câmara e a operação em campo. Os níveis de estresse do teste de
PID da câmara podem ser aumentados além da IEC, mas, a correlação entre o
comportamento do efeito PID em campo e os resultados do teste do efeito PID da
câmara permanece obscura [18].
Como
dito anteriormente, o efeito PID pode ser completamente reversível e pode ser
evitado operando módulos em tensões negativas em relação ao aterramento para
superfícies frontais do tipo n e tensões positivas para superfícies frontais do
tipo p [2].
Soluções
à nível de sistema
Como o motivo principal para o surgimento do efeito PID em módulos de silício do tipo p é uma carga de alta tensão negativa, aterrar o polo negativo dos módulos conectados em série no sistema fotovoltaico é, em princípio, a solução mais direta. Contudo, esse aterramento só pode ser feito em inversores com isolação galvânica, ou seja, com transformador. Portanto, para inversores com transformador, o aterramento do polo negativo do sistema FV elimina o efeito PID das células de silício cristalino do tipo p [19].
Figura 4 – Sistema fotovoltaico com inversores
com isolação galvânica.
A
vantagem é que essa é uma forma barata e eficaz de eliminar o efeito PID. As
desvantagens são que esta solução está restrita a inversores com transformador
ou a inversores sem transformador com aterramento interno. Outra desvantagem é
o risco de choque elétrico caso haja alguma falha no aterramento. Além disso a
topologia de inversores com transformador é menos eficiente.
Outra solução aproveita o fato de que o efeito PID pode ser revertido pela reversão da polaridade da tensão aplicada aos módulos. Quando a tensão do arranjo fotovoltaico cair (por exemplo, à noite), um dispositivo elétrico externo fornece um potencial positivo aos módulos fotovoltaicos em relação ao aterramento. Esta é uma medida importante para reverter o efeito da polarização que ocorreu durante o dia [19].
Figura 5 – Exemplo de sistema
fotovoltaico com inversor sem isolação galvânica e dispositivo de reversão de
efeito PID.
A
vantagem é que essa solução pode ser implementada em sistemas fotovoltaicos
existentes e reverter o efeito PID, caso ele ainda esteja em um estado
reversível. A desvantagem é que será necessário um ou mais dispositivos
adicionais e uma fonte de alimentação, resultando em um consumo de energia
adicional. Este dispositivo adicional pode estar ou não integrado ao inversor.
Os módulos FV em um sistema com microinversores não estão em série e a tensão de operação do sistema é apenas a Voc do módulo, com praticamente nenhum efeito PID. Como consequência, os microinversores eliminam a perda de potência devido ao efeito PID, pois este efeito ocorre em tensões mais altas, que polarizam o módulo. Portanto, é esperado que o efeito PID em campo seja desprezível em tensões tão baixas, mesmo para módulos propensos ao efeito PID [19].
Figura 6 – Sistema fotovoltaico com
microinversores APsystems.
A
vantagem é que os microinversores não apresentam restrições independentemente
do tipo de células, material encapsulante ou cobertura de vidro. Possuem vida
útil mais longa do que inversores centrais e rastreamento do ponto de máxima
potência de cada módulo [19]. A desvantagem é que para sistemas de grande porte
esta solução apresenta um CAPEX maior.
Soluções
à nível de módulo e célula
As
soluções à nível de módulo se baseiam em coberturas de vidro com alta
resistividade e/ou materiais encapsulantes alternativos. Ambas as soluções não
apresentam restrições independentemente do tipo de células, material encapsulante,
inversor ou sistema de aterramento. A solução de vidro com alta resistividade
ainda apresenta a vantagem de poder ter seu desempenho óptico melhor. A
desvantagem é que ambas as soluções apresentam um custo inerente. Além disso, a
solução baseada em materiais encapsulantes alternativos pode ter um desempenho
óptico pior e o tempo de laminação pode ser maior [19].
As
soluções à nível de célula se baseiam na modificação do emissor e/ou do
revestimento anti-reflexo. Ambas as soluções não apresentam restrições
independentemente do material encapsulante, cobertura de vidro, inversores ou
sistema de aterramento. A desvantagem em ambas as soluções é que a estabilidade
do efeito PID pode ser insuficiente, a eficiência pode ser reduzida e a taxa de
transferência pode ser reduzida. Além disso, a solução baseada na modificação
do revestimento anti-reflexo pode requerer um equipamento adicional [19].
Conclusão
O
efeito PID ocorre quando há diferença de potencial entre o arranjo FV e o
referencial de terra. Sendo que a humidade e temperatura elevadas irão acelerar
os efeitos da degradação. Geralmente, um sistema com inversor de string
funciona com tensão CC elevada. Quando a moldura do módulo FV é aterrado, pode
haver tensão de até 1500 Vcc entre a célula FV e a moldura de alumínio. Os
módulos trabalham com tensão elevada por muito tempo e existe uma fuga de
corrente entre o material encapsulante, o vidro e a moldura, o que reduz muito
o desempenho dos módulos.
Em
contrapartida, existem soluções para eliminar ou reduzir os efeitos da PID,
seja a nível de sistema, módulo ou célula. O uso de microinversores é uma
delas, independentemente do módulo ou das células. Os módulos em um sistema com
microinversores APsystems estão em paralelo e a tensão CC de operação do
sistema é de apenas cerca de 40 V com praticamente nenhum efeito PID. Pelo
simples fato de os módulos fotovoltaicos não serem conectados em série
resultando em tensões CC elevadas, os microinversores APsystems são a solução
mais simples e eficaz para eliminar o efeito PID.
Os
resultados de pesquisas ainda não provaram conclusivamente se todos os tipos de
módulos FV são igualmente sensíveis ao efeito PID. Além disso, nenhum módulo
comercial pode ser aprovado pelas normas internacionais como livres de PID,
visto que nenhum dos testes inclui todos os fatores existentes no ambiente
natural que podem afetar a taxa de PID e até o momento não foi definida uma correlação
entre o comportamento do efeito PID em campo e os resultados do teste do efeito
PID em uma câmara de testes.
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Neste artigo falaremos um pouco sobre o histórico e o cenário atual da segurança contra...
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